A hipnose como técnica terapêutica requer muito estudo e preparo, só podendo ser aplicada por profissionais reconhecidos. Mesmo tratando-se de um recurso muito útil para a área da saúde, pode ser também bastante perigoso quando mal aplicado.
Nos achados da Antigüidade, foram encontrados textos com mais de 4.500 anos, que relatam como os sacerdotes da Mesopotâmia usavam o Transe – “um estado diferenciado da consciência usual” – para realizar diagnósticos, objetivando curas. Podemos considerar esses registros como sendo os mais antigos documentos a citarem o transe em sua função terapêutica, um hábito comum à diversas culturas naturalistas. No século XIX, ao pesquisar esse procedimento, o Dr. Braid o denominaria de hipnose. O nome escolhido advém de Hypnos – deus grego do sono – e foi escolhido pelo Dr. Braid devido à semelhança do estado de transe com o estado de sonolência.
Desde seu surgimento, a hipnose sempre esteve vinculada à busca da cura e é neste sentido que a ciência médica atual pesquisa não só a extensão que se pode obter com o seu emprego, como também as respostas de como e porque o cérebro processa o estado hipnótico. Atualmente, o termo hipnose abrange qualquer procedimento que venha causar, por meio de sugestões, mudanças no estado físico e mental, podendo produzir alterações na percepção, nas sensações, no comportamento, nos sentimentos, nos pensamento e na memória.
A hipnose utiliza a técnica de indução do transe, que é um estado de relaxamento semi-consciente, mas com manutenção do contato sensorial do paciente com o ambiente. O transe é induzido de modo gradual e por etapas, através da fadiga sensorial, que geralmente é provocada pelo terapeuta usando a voz, de forma calma, monótona, rítmica e persistente. Quando o transe se instala, a sugestibilidade do paciente é aumentada. A hipnose leva então à várias alterações da percepção sensorial, das funções intelectuais superiores, exacerbação da memória (hiperamnésia), da atenção e das funções motoras. “Estabelece-se uma alteração de estado da consciência, algo que simula o sono. No entanto, o eletroencefalograma (EEG) do paciente sob hipnose é de vigília, e não de sono”, explica a Dra. Sofia Bauer, especializada em hipnoterapia Ericksoniana em Phoenix, Arizona e autora do livro “Hipnoterapia Ericksoniana – passo a passo”.
Para a doutora Bauer, o uso da hipnoterapia é feito para acelerar o processo de terapia e encurtar o tempo de tratamento. O tempo varia de acordo com a pessoa e o problema, de uma sessão a alguns meses de trabalho. É um estado onde o paciente fica acordado, mas mais alerta ao seu estado interno. Não é sono. As técnicas usadas são de relaxamento, respiração, imaginação ativa, dessensibilização de medos e fobias. “O estado de transe volta você para o seu lado interno, o seu inconsciente. Entrar em hipnose é como relaxar. Ir para dentro de você mesmo, ajudado pelo terapeuta, que vai lhe orientando como respirar, como sentir seu corpo, como voltar-se para dentro das suas emoções”, explica.
Não se conhece ainda, completamente, como a hipnose altera as funções cerebrais. “Uma das teorias atuais é que ela afetaria os mecanismos da atenção, em uma parte do cérebro chamada substância reticular ascendente (SRA), localizada na sua parte mais basal (tronco cerebral). Essa área, que também tem muitas funções relacionadas ao sono, ao estado de alerta, e à percepção sensorial, bombardeia o cérebro continuamente com estímulos provenientes dos órgãos dos sentidos, provocando excitação geral. A inibição da SRA leva aos estados de sonolência e “desligamento” sensorial”, ensina Bauer.
Aplicabilidade
Uma das perguntas mais freqüentes aos profissionais que aplicam a hipnoterapia é se a sensibilidade ao tratamento é geral em qualquer paciente. De acordo com os especialistas, cerca de 90% das pessoas é hipnotizável pelo menos ao nível das necessidades de terapêutica médica. Alguns podem não sê-lo para etapas mais profundas, como de pesquisa pura. Esses 90% têm graus diferentes de sensibilidade: todos eles podem ser colocados sob hipnose, mas isso depende do médico, que tem que realizar um esforço maior ou menor em seu trabalho. Como a hipnose depende do estímulo da palavra (débil, rítmica, monótona e persistente), só não entrarão na hipnose os surdos e os totalmente inaptos a compreender a essência do que lhes esteja sendo dito.
Método controvertido
O Dr. Vladimir Bernik, médico psiquiatra e hipnoterapeuta, acredita que a hipnose médica continua sendo um dos métodos terapêuticos mais controvertidos em Psiquiatria. “Ela foi recebida com reservas, depois que recebeu críticas indevidas de Sigmund Freud, o pai da psicanálise. Mas, voltou com força redobrada após a Segunda Guerra Mundial, tendo sido apoiada como um método válido pelas principais entidades médicas internacionais”, explica o psiquiatra.
No Brasil, a hipnose passou também por um processo de séria descrença, por ter sido muitas vezes utilizada em palco, por pessoas não qualificadas medicamente, e tendo até mesmo causado prejuízo para as “cobaias” humanas assim utilizadas. Em função disto, na década de 60, seu uso fora do ambiente médico foi proibido por um decreto presidencial. Mesmo assim, em 1956 no Rio de Janeiro, com a vinda do médico argentino Dr. Torres Norry para ministrar o – I Curso Completo de Hipnologia – autorizado pelo Ministério da Saúde, a primeira turma de hipnoterapeutas foi formada. Estes profissionais, por sua vez, organizaram-se e, baseados nos ideais de: “difundir a técnica, favorecer o estudo e estimular a pesquisa do hipnotismo médico”, fundaram a Sociedade Brasileira de Hipnose – SBH, em 27 de agosto de 1957. Desde 20 de agosto de 1999, está em andamento no Conselho Federal de Medicina – CFM, um projeto que visa instituir a Hipnose como “Ato Médico” e legitimar o termo Hipniatria para designar o método quando usado por médicos.
Atualmente, a hipnose é reconhecida como um tipo de tratamento adequado para certos quadros psiquiátricos, e até mesmo como um método de valor para aumentar a resistência imunológica de pacientes, aumentando o nível de células brancas (leucócitos) responsáveis pela defesa do nosso organismo contra as doenças. “Por esse motivo, tem sido muito utilizada na terapia da AIDS, pois parece ser o método que mais rapidamente altera a psicoimunologia dos pacientes (alteração do sistema imune através da psique)”, complementa Dr. Vladimir Bernik.
Os diferentes métodos terapêuticos usados pela psiquiatria podem ser realizados melhor e mais rapidamente com a ajuda da hipnose. Uma de suas vantagens é reduzir o tempo de tratamento de um distúrbio mental. É um dos tratamentos utilizados para tirar alguns sintomas de certas doenças mentais, tais como a ansiedade, reduzir o estresse, tratar traumas psicológicos quando sua causa é pouco relevante, tratar medos (fobias) – como medo do escuro -, auxiliar o tratamento de alívio de dores crônicas – como na artrite -, na dor provocada por tumores, etc. A hipnose também é muito utilizada no tratamento de doenças psicossomáticas (por exemplo, úlceras de fundo nervoso), sendo um dos métodos que obtém resultados mais breves e eficientes.
Para o Dr. Bernik, uma grande vantagem desta terapia é que, ao contrário do que a ficção muitas vezes retrata, ela não tem poder para alterar os valores éticos e morais do paciente. Para ele, é um dos tratamentos mais sérios em Psiquiatria, e o seu código de ética internacional é um dos mais rigorosos da Medicina.
Hipnose na Psiquiatria
Entidades como Associação Médica Britânica, Associação Médica Americana, Associação Médica Canadense e Associação Americana de Psiquiatria reconheceram a força da hipnose como modo de diagnóstico e tratamento de problemas específicos em Psiquiatria. Assim, pesquisadores e serviços universitários organizaram-se no estudo mais profundo de seus fenômenos e na utilidade a ser dada às suas técnicas peculiares de diagnóstico e de terapêutica. Fundou-se uma sociedade internacional, que edita até hoje uma revista de reconhecido padrão científico visando à difusão de conhecimentos. Nos diferentes países, surgiram entidades nacionais, filiando-se à Sociedade Internacional. Para o estudioso da hipnose, a cada dia e a cada descoberta, “a hipnose é um mundo novo que se abre, no sentido de somar novos elementos à neurociência, da pesquisa ao diagnóstico e ao tratamento”. No entanto, ainda assim não ganhou a total credibilidade dos médicos, uma vez que é pouco disseminado o embasamento neurocientífico da hipnose.
Indicações da Hipnose
A hipnose tem muitas indicações específicas em Psicologia, Psiquiatria e em Medicina Geral. Tirar a dor é uma das suas indicações básicas. Na verdade, como não se pode mentir ao paciente sob hipnose, a sugestão não é a de que a dor deixou de existir, mas que ela se vai transformando progressivamente numa sensação tolerável de formigamento ou de calor.
Outra área de aplicação da hipnose médica, com bons resultados, ocorre no controle das doenças psicossomáticas, tais como a asma, o colón irritável, e os problemas psicodermatológicos (como eczemas).
O controle dos impulsos é outra excelente área de atuação para a hipnoterapia. Ela se revelou de grande valor para o tratamento de distúrbios das condutas dependentes do controle de impulsos, tais como: as alterações de comportamento alimentar (obesidade, anorexia e bulimia); os impulsos inibidos ou exacerbados da sexualidade e a correção de suas disfunções em todas as faixas etárias; o controle do impulso do jogo; as diferentes dependências químicas, do álcool ao “crack”, passando pelo fumo.
A hipnose também tem valor quando usada para complementar outras formas de psicoterapia, tais como no tratamento dos medos fóbicos, no domínio sobre os instantes de desencadeamento da doença do pânico, no controle da ansiedade e dos componentes emocionais da depressão, no controle do impulso suicida e reativação dos valores da vida, etc. Em muitos desses casos, ela é acompanhada também do uso de medicamentos apropriados (como antidepressivos).
Os próprios médicos que utilizam a hipnoterapia reconhecem que o perigo da técnica, de fato, é o seu mau uso. Para eles, a hipnose não é uma terapia em si, mas uma boa ferramenta que ajuda a tornar o inconsciente observável e aflorar os recursos de cada paciente mais rápido para um trabalho de cura. Mas não basta só saber a teoria sobre hipnose e sobre suas técnicas de aplicação. É necessário, e é condição básica, uma boa formação em psicoterapia e em psicanálise, para saber como utilizar estas técnicas. “Por muito tempo a hipnoterapia ficou jogada ao limbo do esoterismo. Profissionais aéticos fazem pessoas até viver e “reviver” outras vidas, formar delírios e neles acreditar; tornar a difícil vida de hoje pior ou, no mínimo, ingenuamente mergulhar numa fantasia irreal, sem chance de retorno. Esqueceram-se os pseudo-terapeutas, que, entre as incríveis propriedades desta técnica, existe a deliriogênica, capaz de transformar fantasias latentes do paciente em bem-elaborados delírios de autoreferência.”, alerta Dr. Bernik.